7.8.04

Em Deus Confiámos - Um Dia de Chuva

Os dois olharam para mim, interrogativos. Vinha cansado do voo e o sorriso saiu-me artificial. Olhei primeiro à minha volta antes de falar. A sala não tinha janelas, só algumas cadeiras e duas mesas baixas com cinzeiros, e uma escada de cinco degraus que levava a uma porta fechada.
- Boa tarde. Chamo-me Kurt Edel e sou antiquário, e pelo sotaque já devem ter notado que sou alemão.
Disseram-me os nomes. Depois contaram-me os motivos que os tinham ali levado e a sua estranha descoberta: Roger chegara ali duas horas antes, às três da tarde do dia 14 de Julho de 1930. Karen tinha chegado há pouco mais de uma hora, no dia 22 de Novembro de 1957. Isso nada teria de estranho se eles nunca se houvessem encontrado mas era um facto que isso acontecera, apesar de terem ali chegado com 27 anos de diferença. E agora chegara eu, vindo de 1968! Mais um vagabundo temporal...
- Devem desejar saber o que me trouxe aqui, não é?
O sim foi uníssono e por isso iniciei o meu relato.

Era um dia de chuva, mas de chuva digna desse nome. (A data? Um qualquer dia perdido de Outubro) Crepitava nas pedras das ruas e encharcava os prédios, escorria violenta do céu até à terra. Foi por isso que me escapuli para dentro daquele bar onde nunca fora.
Era escuro. Mais do que qualquer outra coisa, era escuro, e a mancha branca do balcão em mármore parecia emitir mais luz do que as tristes lâmpadas veladas por soturnos abat-jours.
Sentei-me a uma mesa e pedi uma bebida ao criado. Alguns minutos depois, ainda mal sorvera uma pequena parte da bebida, alguém se sentou na minha mesa.
- Não incomodo, pois não?
Olhei-o incomodado. Tinha uma voz sibilante e um sobretudo grande demais para ele.
- Tenho uma coisa que lhe pode interessar, Herr Edel.
Fiquei sobressaltado! Aquele tipo sabia o meu nome.
- Não me parece que o conheça, senhor...?
- Isso não importa, eu conheço a sua loja e sei que se interessa por peças raras. Acontece que eu possuo uma e estou interessado em vendê-la.
Disse tudo aquilo num jorro e depois perdeu as mãos dentro do sobretudo.
- Está aqui.
A estatueta que colocou em cima da mesa era branca. Um branco sem sombras, como se fosse iluminada interiormente ou a sua cor fosse luz que brotasse de todos os átomos que a constituíam.
- Não é soberba?
- Não é um sítio estranho para negociar?
- E o que peço por ela é uma ninharia.
O que ele pedia pela estatueta era uma ninharia e eu fiquei com ela e vi-o levantar-se, caminhar e sair para a rua, para a chuva, para nunca mais o ver.
Só no dia seguinte vi que a estatueta não era a mesma, nem no dia seguinte, nem em todos os dias que vieram e passaram.
- Mudava de forma e de cor, todos os dias, e nunca a vi igual. O que me fez vir aqui? Ao examiná-la com uma lupa descobri umas letras na base: New World Corp., 53 46th Street, N.Y.
Ninguém disse nada. Tínhamos contado tudo e não sabíamos nada.
Os dias de chuva são estranhos.

1 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Olha, realmente achei fascinante esta história. Peguei o bonde andando, ñ sei quem é quem, mas de qualquer forma gostei muito. Seja quem for, vc poderia dar uma olhada no meu blog? Eu agradeceria muito.

12:57 da tarde  

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